É natural de Lisboa e vive nos arredores, a sua determinação e capacidade de superação são aliadas com um humor subtil e um companheirismo invejável. Tem 43 anos e um filho com 13 anos, deu ‘cartas’ no atletismo em Portugal e defendeu as cores nacionais por diversas ocasiões. Simplesmente, é José Gameiro e é deficiente visual.
Um amante do chocolate e, também, da leitura, principalmente do fantástico histórico, romance, e como autores Robin Cook, Heinz G. Konsalik, Joanne Kathleem Rouling, J. R. R. Toquien, Isabel Allendre, Dan Bron, José Rodrigues dos Santos, Christopher Paulini. Etc. etc…Um benfiquista de gema que contou ao assimassim a sua experiência desportiva e nos revela outras histórias e algumas surpreendentes…
Aa- Quando iniciaste no atletismo?
José Gameiro - Em 1990, com 17 anos e inscrevi-me na ACAPO. no atletismo na vertente de manutenção. Mas, com o passar dos dias devido ao meu gosto, interesse e desenvolvimento, foi fácil a transição para a competição e devido aos resultados, para a alta-competição. Em Setembro de 1991, um ano após o início da modalidade, participei no meu primeiro campeonato Europeu, na Normandia, França.
Mais tarde em 2001, integrei o Sport Lisboa e Benfica e em 2003 Marítimo até ao final da minha carreira desportiva, em 2007.
Aa- Pretendias enveredar pela alta competição?
JG -Inicialmente foi mais numa perspectiva para ver no que iria dar, mas sim, tinha uma pequena perspectiva de pelo menos entrar em competições e isso se ia volumando também, consoante iam sendo os resultados dos treinos.
Aa – Concretamente, no atletismo em que área te especializaste?
JG - Poderei dizer que acabei por fazer um pouco de tudo, relativamente às disciplinas de corridas, quer de pista quer de estrada. Apenas me faltou mesmo fazer a maratona o que na realidade nunca desejei fazer e mesmo a meia maratona. As que fiz poderei dizer que as fiz com um certo frete, pois sim sempre adorei correr, mas chegava a uma altura da corrida que já não me interessava estar ali a correr quilómetros e quilómetros consecutivos. . De qualquer maneira o que sempre gostei foi das corridas na pista e as minhas características se centraram especialmente nos 800 e 400 metros, sendo as minhas principais provas realizadas nos campeonatos internacionais.
Aa – A nível nacional quais as tuas conquistas?
JG – A nível nacional, foram diversos os títulos Nacionais, mas precisar agora será difícil. Sendo até à presente data uma modalidade que com pouca participação, mesmo no âmbito Nacional, acabei sempre por com alguma facilidade alguns títulos como até mesmo não lhe ter dado o devido valor. Não pelos títulos conseguidos mas pela fraca participação.
Aa – E a nível internacional?
JG – Nos Jogos Paraolímpicos, Estados Unidos da Améric, Atlanta (1996), 400 m. - 1º lugar com o tempo de 52.92 e com Guia Bruno Girão. 800 M. - 1º lugar e o guia Bruno Girão. Austrália , Sidney 2000, 4x400 metros e Record Paralímpico 3,28,65 , Guia António Braz. 200 m., . 7º lugar e obtido Record Pessoal e o Guia António Braz. 400 M., 7º lugar. Campeonato do Mundo : Alemanha, Berlim 1994, 800 m. 2º e o - guia Valter. Espanha, Madrid 194, 400 M., 1º e Record Mundial 3.27.86 e o guia Valter.
E muitos mais, mas seria maçudo enumerar todos.
Aa – Também representaste Portugal nos paraolímpicos. Onde? E contanos um pouco essa experiência?
JG – Os Jogos Paraolímpicos, é um mundo completamente à parte. Por mais que se fale, se descreva, não é fácil descrever com a exactidão mais acertada. As emoções que nos atinge num evento desses.
Tive duas participações em Jogos Paraolímpicos, em 1996 em Atlanta, e em 2000 em Cidney.
Em ambos consegui lugares de excelência. Em Atlanta dois primeiros lugares: 400 metros com record pessoal; e 800 metros. E nas duas competições tinha adversários e ao mesmo tempo amigos, tanto Nacionais como estrangeiros.
Em Cidney, a prova foi a estafeta 4x400 metros e batemos o record paraolímpico e Mundial, e sendo uma prova realizada por equipa, nos uniu bastante além da amizade que partilhávamos juntos nos treinos. Uma prova do nosso valor individual, que soubemos mais uma vez juntar em uma equipa e se transformou no resultado que nos levou a uma bela vitória.
Em Atlanta, foram os meus primeiros Jogos, e a magia do sonho acontecia, e o que tanto se sonhou, trabalhou durante anos e anos a fio, estava-se a viver.
Por mais que se tenha alguma experiência desportiva e competitiva , ao entrar nos jogos, tudo é diferente, os adversários são mais fortes, mais competentes, pois é um sonho para todos. É o momento de glória em que qualquer um pode dar cartas. O momento da cerimónia, no centro do estádio, a envolvência de todo o público, é para lá de arrepiante e após uma vitória e estar no lugar mais alto do pódio é o momento em que nos sentimos os verdadeiros Heróis. O momento em que nós olhamos para dentro e dizemos a nós próprios: isto é por aquilo que tanto sonhaste, trabalhaste, sofreste e aqui tens o merecido por toda essa dedicação que ultrapassa por vezes para lá do sensato.
Aa – Entretanto, abandonaste o atletismo. Qual foi a razão?
JG – O abandono da competição, foi devido a vários factores: Tive nas últimas épocas desportivas lesões nos meniscos, e em ambas as lesões tive recuperações demasiado lentas, e devido à idade já um pouco avançada para a competição, se tornou bem fatal para a recuperação da performans o que fez com que em 2004 não tivesse conseguido ir aos jogos de Atenas, e em 2006 já ter muitas dificuldades no Europeu realizado na Holanda. E os apoios escassearam e as facilidades para treinar cada vez piores. Depois a necessidade de trabalhar para sustentar a família, pois a competição em Portugal jamais foi algo por onde se pode viver. Principalmente para pessoas com deficiência. A dificuldade em obter guia para as minhas disciplinas, é algo difícil de conseguir, pois em provas de pista até os 800 metros acaba por ser bastante exigente e sendo o atleta bem forte, o guia terá que ser bem melhor e a conjugação disso e a disponibilidade, conjugar horários, apoios para os guias, sempre foi algo bastante complicado.
Aa – A alta competição também trouxe alguns dissabores? Quais?
JG – Por vezes os maiores dissabores passam pela falta de apoios ou ausência deles. Há uma altura em que se está menos bem e nos apoiam cada vez mais e a obtenção de patrocínios para os atletas deficientes é muito complicado.
Aa – Sendo cego como te receberam no desporto? A tua condição de deficiente da visão foi alguma vez um entrave no desporto?
JG – A minha integração foi fácil e alem do mais onde iniciei e onde estive diversos anos, foi sempre um clube só com atletas com deficiência visual. Não era difícil … O que por vezes era mais estranho era quando participávamos em provas de estrada, aí sim inicialmente alguma estranheza e alguns atletas ditos normais, se sentiam mal por vezes em perder com atletas cegos e faziam algumas coisas disparatadas como nos ultrapassar para ver se não perdiam connosco, mas umas centenas de metros mais à frente como dizíamos na gíria: davam o berro e nós os passávamos com uma facilidade e alem de todos rotos, (cansadíssimos), como todos lichados por serem ultrapassados por um cego o que os enfurecia.
Aa – Um cego em atletismo necessita sempre de um guia. É fácil o conseguir?
JG – Os guias foram sempre uma peça muito importante nos treinos e nas competições para os atletas cegos. Além disso, acabam por conviver com os atletas durante bastante tempo, e além da amizade, são pessoas que mais partilham grande parte do que sentimos, sofremos e sabem melhor que ninguém o que sentimos em cada instante.
Sendo que no mínimo o guia tem que ter a mesma performans, nas disciplinas de corrida mais rápidas, é bem mais difícil do que provas mais longas tipo os 1500, 5000 e por aí fora, pois além de haver uma boa quantidade de atletas a participar, existe menos situações especificas para treinar, como as partidas nos 100, 200 e 400 metros em que cada centésimo é extremamente importante.
Aa – E Portugal apoia os seus atletas, concretamente os com deficiência?
RJG – O desporto para pessoas com deficiência sempre foi mal apoiado, em todos os aspectos. Lembro-me que em 1996 praticamente nada tivemos do Estado, e o que se conseguiu a partir daí foi devido aos resultados desportivos conseguidos até essa altura, e muitas pressões feitas através da comunicação social e que foi difícil o Estado rejeitar . A nível de comparação poderei dizer que um atleta que conseguiu uma medalha de ouro em Atlanta, teve como prémio 10 mil contos e um atleta paralímpico, apenas 2000, e no caso um atleta paralímpico conseguisse uma segunda medalha igual, receberia apenas 50 porcento o que não sucedia com os demais atletas. Já para não se falar nos valores envolvidos para as preparações de cada um.
Sei que desde 2004 algumas situações se alteraram, relativamente a valores mas as diferenças são sempre enormes e serão sempre vistos como atletas de segunda e ainda são apoiados devido aos resultados que ainda se vai conseguindo no desporto paralímpicos.
Aa – Pretendes voltar ao desporto mesmo sem ser atleta?
JG – Sim, mesmo ainda quando competia, tirei a minha formação de massagista. O que me ajudou a fazer a ponte da parte desportiva para a parte pós desporto sem estar completamente fora do meio desportivo. É difícil para quem esteve 17 anos na alta competição não querer estar dentro do desporto e procurar sempre uma actividade que nos leve novamente para esse ambiente.
Aa – Que conselho deixarias aos mais jovens, quer para a prática do desporto como para os deficientes visuais?
JG – Essa é uma das perguntas da praxe … E não será diferente de tantas de que tantos outros já deram. Está mais que provado que o desporto é, sem dúvida, uma das actividades que faz bem a todos. Os benefícios são mais que evidentes para a saúde, para a integração social, para o crescimento de cada um de nós quer fisicamente mas como pessoas. Quando se fala de pessoas com deficiência, essa importância é ainda maior, pois havendo as ditas dificuldades que a pessoa com deficiência possui, de aceitação por as demais pessoas, apenas por ser como é, o desporto irá ajudar para que essa integração seja melhorada. Além de que ajuda a que a mobilidade e orientação melhorem imenso.
Aqui falo apenas no aspecto da prática de desporto pelo desporto, pois quando se fala em alta competição, eu costumo dizer que só mesmo para malucos, masoquistas e que é mesmo gostar bastante da modalidade para se poder conseguir seguir sistematicamente com os treinos exigentes, com abdicação de tantas participações de festas, saídas nocturnas etc. que só quem realmente ama a competição é que consegue suportar todos os treinos.
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