O Sporting Clube Caminhense é um clube de remo onde cada conquista e vitória fazem dele um dos clubes de ouro ao longo de nove décadas. Os seus atletas, actuais e ex, sempre souberam dignificar as cores de Caminha e verdes e brancas.
Hoje, falamos com um ex-atleta, João Pinto, uma das «lendas» do clube e que já inscreveu o seu nome no SCC, mas também a nível nacional. «Era inevitável» a sua entrada no remo e concretamente neste clube que, ainda nos dias de hoje lhe é muito caro.
Recorda muitos momentos, mas essencialmente os valores e a entrega que lhe foram transmitidos no clube … O homem e o atleta em entrevista.
Assimassim -Porquê que o João Pinto escolhe o remo e, concretamente, o Sporting Clube Caminhense?
João Pinto – Nasci em Caminha em 1961, as margens dos rio Minho e do rio Coura eram a minha praia, o ambiente em que cresci, nessa relação que me aproximou, desde muito jovem, às águas do rio e, por sua vez, à modalidade do remo.
Tinha dez anos quando já convivia com os remadores do Caminhense, frequentava o velho posto náutico, com os meus dois irmãos que tendo mais sete e mais dez anos, já eram atletas de grande relevo do clube. Era inevitável, eu tinha de vestir a camisola verde e branca e tudo fazer para chegar o mais longe possível neste grandioso clube.
Aa – Se lhe pedisse um valor ou adjectivo para classificar a sua passagem por este clube, qual diria?
JP – Não poderei apresentar um valor, nem provavelmente um adjectivo, porque seria curto adjectivar ou valorar uma vivência tão preenchida com momentos tão dispares. Mesmo assim, poderei arriscar aquilo que de mais importante realço da minha passagem, nos valores recônditos do remo, aqueles que foram crescendo comigo, os valores sociais, morais, espirituais, o abandono total do eu em prol do esforço colectivo da equipa.
Aa – Como classificaria a sua passagem por este clube?
JP – Gostaria de recorrer a um texto de George Pocock, dedicado a quem algum dia remou, que nos transmite o conceito de “um desporto como este, de muito trabalho, pouco reconhecimento e longa tradição, tem de ter uma beleza que escapa aos homens normais, mas que os excepcionais captam. Harmonia, equilíbrio e ritmo: as três coisas com que ficamos para o resto da vida. Sem elas, a civilização não se sustenta. É por isso que um remador, quando sai para a vida, consegue enfrentá-la, lidar com ela. É isso o que ele leva do remo.”
Este texto parece-me justificar todo o tempo que dediquei, como atleta, ao Sporting Club Caminhense, recordando-me a entrega, a luta diária dos treinos, as conquistas, os momentos inesquecíveis e o sentimento de ter crescido como atleta, como homem e cidadão, contribuindo dessa forma também para o engrandecimento da história do clube.
Aa – Como recorda esses momentos?
JP - A minha longa passagem por este clube é um misto de emoções, com centenas de treinos vividos até à exaustão, vivências, partilhas, viagens, contacto com outras culturas, sentimentos cruzados de vitórias e derrotas, conquistas de grupo e conquistas individuais, crescimento e sabedoria, essencialmente no respeito pelo outro, quando ganhava e quando perdia.
Aa – Foi um longo percurso defendendo as cores do Sporting Club Caminhense. Que destacaria?
JP – A minha carreira dividiu-se em duas fases diferentes: como remador e como treinador.
Neste caso, apenas referirei o meu percurso como atleta e é nessa experiência, como remador, que participei em mais de 300 regatas, competindo em representação do S. C. Caminhense.
Destaco a vontade de sempre defender as cores da camisola verde e branca e a vontade de representar com grande orgulho a minha terra. Dei o nome pelo Caminhense, como remador, durante 21 anos consecutivos, onde me entreguei aos treinos diários e bidiários, levantei muitos troféus, ultrapassei muitas barreiras, conquistei desafios, alarguei horizontes, mas o que mais me motivou a ter persistido, ano após ano, nesta entrega ao clube, foi a conquista do shell de oito, nos campeonatos nacionais de velocidade.
Tive a honra de levantar, em nome do Sporting Club Caminhense, este troféu por 11 vezes, na “regata rainha” do remo.
Aa – Também uma carreira premiada com vários títulos, quais destacaria?
JP – Posso destacar, entre outros, na minha carreira como remador: Campeão nacional em shell de oito absoluto, no Campeonato Nacional de Velocidade, 1980 – 1984 – 1985 – 1986 – 1988 – 1989 – 1990 – 1991 – 1992 – 1993 – 1997; Vencedor da Taça Lisboa, em Shell de 4+ - 1984 – 1985 – 1987 – 1992; 30 Títulos de Campeão Nacional, vários tipos de barcos; Medalha de Mérito Desportivo do Concelho de Caminha, após a obtenção da Medalha de Prata no Campeonato Internacional da Bélgica, em 1985; Troféu “O Minhoto” – melhor atleta de Remo, em 1998; Vencedor da Taça de Portugal por 4 vezes; Troféu Presidente da República – vencedor em 1992 – 1997; Troféu Sra da Agonia, Viana do Castelo – vencedor em 1987 – 1989 – 1990; Troféu Rota da Luz, Aveiro – vencedor em 1987 - 1990 – 1992; 1º Troféu Príncipe de Astúrias, Castropol, em 1989 – (Medalha de ouro); Troféu Minho Internacional – vencedor em 1987 – 1988; Campeonato Internacional da Bélgica, Gent, Bélgica – 1985 (Medalha de Prata); Regata Internacional de Sevilha, Espanha – 1985 – 1986; Regata Internacional de Gent, Bélgica – 1987 – 1990 – 1993;Campeonato do Mundo em Lucern, Suiça (Double Scull peso ligeiro) – 1982; Campeonato do Mundo em Viena, Austria (voga do Shell de 8 peso ligeiro) – 1991.
Aa – O remo e a decisão de ser atleta fizeram com que privasse a sua vida de algo?
JP – Muitas vezes, tive de deixar de lado aqueles momentos de lazer que qualquer individuo da minha idade aproveitava para desfrutar.
A consciência de um atleta, no remo, é fundamental para cumprir o seu compromisso com a restante equipa. O treino invisível é aquele que não se vê, mas o que nos transforma e nos prepara para melhorar as performances desportivas.
Com o aproximar das regatas importantes na época, sentia a responsabilidade, a vontade de vencer e era através do descanso, de uma alimentação regrada, no equilíbrio sadio que conseguia alcançar muitos desses objectivos.
Mesmo assim tudo se podia conciliar no respeito pela própria vida, e sempre procurei equilibrar esses momentos de trabalho e de lazer.
Aa – Sabemos que a vila de Caminha sempre acarinhou os atletas do Caminhense e existiram imensas histórias. Que nos pode contar?
JP – Tenho , de facto, imensas histórias vividas nesses tempos em que se sentia essa paixão de um povo que respirava o remo. Caminha vibrava com as regatas, essencialmente nos campeonatos nacionais. Recordo-me, por exemplo, dos campeonatos nacionais de 1985 a 1989, que se realizavam na lagoa de Óbidos, em que o jornalista Luís Almeida transmitia em directo , pela Rádio Caminhense, para o Terreiro de Caminha. As pessoas acompanhavam o decorrer das regatas através dos altifalantes colocados na sede do clube.
Quando conquistávamos o shell de oito sénior as pessoas rejubilavam-se com o orgulho desta pequena vila de Portugal enfrentar e vencer os clubes das maiores cidades do país. Os remadores eram recebidos em grande festa quando chegavam ao Terreiro de Caminha, o sino da Torre do Relógio era tocado, lançavam-se foguetes e fazia-se um grande banquete, onde toda a gente presente poderia beber o champurrião, da Riviera e do Café Central, pelas Taças conquistadas.
Nesse tempo dizia-se que era Caminha contra Portugal. Essa era a diferença, pois todos os clubes de remo estavam sediados em cidades e o Caminhense aqui plantado, nesta pequena vila, desafiava, enfrentava e conquistava os títulos mais importantes. Assim cresceu o mito e a responsabilidade de vestir esta camisola.
Aa – Actualmente, vive o clube como sócio e ex-atleta. Como observa os destinos deste clube?
JP – O clube está no bom caminho, tem uma boa direcção, com uma infraestrutura criada para o desenvolvimento da modalidade, equilíbrio nas contas e boa imagem no funcionamento das suas actividades. Existem atletas, treinadores, existe organização, o que permitirá emergir no tempo certo os resultados deste trabalho, para que os vindouros possam continuar a árdua tarefa de manter o bom nome do Sporting Club Caminhense.
Aa – É muito diferente o atleta do seu tempo e o actual?
JP – Eu tive a sorte de ter vivenciado épocas diferentes do remo nacional e internacional. No início da minha carreira desportiva, como atleta, não existiam programas de treino, afinações com rigor a nível de remos e embarcações, o equipamento desportivo era de baixa qualidade, e o atleta entregava-se ao treino seguindo a constância do método empírico, que de alguma forma era transmitido de remadores para remadores.
Os tempos passaram, e nos anos oitenta, com o país a viver a nova liberdade, em democracia, o remo tenta acompanhar novas metodologias, planeamento de treino científico, estabelecem-se contactos internacionais com técnicos especializados, estuda-se a ergonomia adaptada ao remador nos barcos, desenvolvem-se novas teorias e conceitos para a construção de barcos e remos em carbono, mais leves, robustos, práticos na montagem e desmontagem para o transporte. Tudo isto e muito mais, transformou o atleta num individuo mais consciente da sua prática desportiva, com respostas efectivas às suas questões, sejam elas de adaptação fisiológica ou de caracter técnico.
Com estas alterações do decorrer cronológico, posso afirmar que o atleta do meu tempo e aquele que hoje pratica a modalidade é muito parecido, tem a mesma responsabilidade de se adaptar, num contexto social, às dificuldades de enfrentar o treino e a competição para atingir os objectivos. Uma das diferenças reside no apoio tecnológico, porque hoje o atleta pode ser mais autónomo no treino individual, porque existem muitos mais meios ao dispor para que ele se autoavalie e melhorar as suas performances.
Aa – O clube está a comemorar o seu 90º aniversário. O que ainda o clube pode conquistar?
JP – De 1926 até aos dias de hoje, o Caminhense é o clube com melhor palmarés desportivo no remo em Portugal, o clube que mais vezes ganhou o campeonato nacional nos barcos emblemáticos de Shell de oito e Shell de quatro com timoneiro sénior masculino.
Passados estes noventa anos, muito ainda há para conquistar. A actual direcção está no bom caminho, criando parcerias com as escolas, actualizando equipamentos, formando novos valores, surgirão de certeza novos desafios e estes poderão aliciar novos caminhos para a conquista de algo que o clube nunca tenha alcançado.
Na sequência deste trabalho, será importante envolver a população da vila de Caminha, sentir esse carinho, e o reactivar da mística do Caminhense, dos velhos tempos, em que uma conquista do Caminhense era uma conquista de todos.
Aa – A formação é uma aposta da actual direcção, mas no seu tempo seria diferente. Porquê?
JP – Nos anos setenta, quando comecei a remar, as condições de vida das famílias eram de poucos recursos, o país estava atrasado socialmente em relação à Europa, não havia grande disponibilidade ou suporte para desenvolver uma escola organizada de remo como aquela que hoje existe. Praticavam remo, apenas aqueles jovens que viviam na vila de Caminha e as condições eram quase inexistentes.
Os tempos mudaram, as condições de vida social e económica das famílias é absolutamente diferente dos tempos em que eu iniciei a minha atividade no remo. Hoje os jovens atletas são transportados, têm condições mínimas para a prática desportiva, os pais pagam uma quota, os treinadores têm formação específica, o contexto permite um trabalho sustentável para o futuro da modalidade. O papel desta direcção tem sido fundamental para que o clube esteja vivo e possa almejar outras conquistas no futuro.
Desta forma, o clube poderá incentivar os jovens a não serem coleccionadores de medalhas, a qualquer preço. A única formação plausível é aquela que valoriza o factor humano, como fator imprescindível do desenvolvimento social. O Caminhense tem de crescer no contexto social e desportivo, apostar na formação é o caminho certo.
Aa – Porque devem os jovens encaminhar para o remo e Sporting Clube Caminhense?
JP – Praticar remo no Caminhense é importante, para que os jovens possam viver uma experiência do desporto que os incite a participar na sua vida inteira em actividades físicas saudáveis
Neste mundo globalizado emergem constantemente novos desafios que vieram, por sua vez, conceder novas oportunidades aos jovens desportistas, impondo-se que todos os desafios que lhes sejam colocados sejam ajustados, designadamente aos seus requisitos de desenvolvimento e às suas expectativas, contextualizando os modelos sociais de referência e uma visão prospetiva.
A vida é feita de desafios e a actividade desportiva não será uma excepção. Praticar remo, desde jovem, neste grandioso clube poderá permitir assegurar um normal e correto desenvolvimento do indivíduo, porque desta forma, jovens bem preparados, quando já não lhes resta a força de todos os dias, conseguem extrair de um ininteligível reservatório uma energia ainda maior. É então que conseguem alcançar todos os sonhos. Assim se fazem os campeões.