foto: Jorge Gonçalves
Recentemente, o Teatro Nacional S. Luís, em Lisboa, levou a cena a peça «A noite da iguana» de TENNESSEE WILLIAMS, com encenação de Jorge Silva. A sala tem estado lotada de público em todas as encenações, mas a direcção do teatro não esqueceu a sua política de acessibilidade e, como tal, dirigiu um convite a um grupo de deficientes visuais para assistir à mesma com o recurso da áudio-descrição.O momento privilegiou os invisuais com um primeiro contacto com os actores antes de estes subirem a cena para que as vozes fossem identificadas , o seu vestuário conhecido e todo o cenário. Os actores mostraram o seu agrado neste contacto e os deficientes visuais não deixaram escapar qualquer pormenor que os auxiliasse no entendimento da peça. Segundo revelou ao assimassim Nuno Santos, responsável da direcção de comunicação do S. Luís e da acessibilidade, a « aposta nestas sessões com áudio-descrição faz parte da politica de acessibilidades que o São Luiz iniciou em 2007. Foi a nossa primeira sessão de teatro com áudio-descrição, primeira no sentido de directamente promovida pelo Teatro). Embora haja alguns pormenores a acertar e melhorar, a sessão foi muito bem recebida e elogiada pelas pessoas com deficiência visual, bem como pelas áudio-descritoras».
A peça decorre na década de 40, na costa mexicana, numa pensão com um antigo pastor algo conturbado (actor Nuno Lopes), uma viúva Maxine, (actriz Maria João Luís) que dirige a mesma e uma pintora que tenta vender os seus quadros, enquanto passeia o avô moribundo. Segundo descreve Sandra Marques Augusto nesta peça «cada um traz consigo as suas memórias, os seus traumas e os seus vícios. Cada um tentará acalmar os seus demónios interiores, uns pela força, outros pela sedução, uns pela paciência, outros pela resignação.
O texto tem a tradução de Dulce Fernandes e o restante elenco é composto por: Isabel Munõz Cardoso, Joana Bárcia, Pedro Carraca, Tiago Matias, João Meireles, Ana Amaral, Pedro Gabriel Marques, Catarina Wallenstein, Américo Silva, João Delgado, Bruno Xavier e Vânia Rodrigues.•
Em relação à áudio- descrição falamos com uma das suas responsáveis, Ana Raquel, que destacou a importância deste recurso e a captação de outros públicos. É actriz de formação e foi no dia que decidiu assistir a uma peça de olhos fechados que decidiu enveredar pela áudio-descrição.
Assimassim - - Quando iniciou neste trabalho e porquê?
Ana Raquel - Eu sou actriz de formação e como artista que sou o meu maior sonho é ter uma plateia repleta de pessoas. E sempre que estou em palco gosto de olhar para a plateia (na altura dos aplausos) e ver a quantidade de pessoas diferentes que saíram de casa para viver aquela história comigo e com os meus colegas. Durante muitos anos questionei-me acerca da ausência de pessoas com deficiência visual nas plateias. Até que um dia fui ver um espectáculo e fechei os olhos. E fiquei assustada com a quantidade de informação que perdi. E durante muito tempo fiquei a digerir essa questão. Até que um dia, em 2010, conheci a Graciela Pozzobon que tinha vindo a Lisboa áudio descrever um espectáculo de teatro. E finalmente vi uma plateia onde também havia pessoas com deficiência visual. Reparei que eles reagiam na mesma altura que o restante publico e percebi que havia um recurso adaptado para esse publico especifico. Pesquisei sobre o que se fazia nos restantes países e no nosso. Percebi que estávamos muito atrasados no que diz respeito à acessibilidade e à inclusão de manifestações artísticas a pessoas com diferentes deficiências.
Quis fazer parte desta mudança e concorri a um apoio para produzir um curso de longa duração de áudio-descrição em Lisboa orientado pela Graciela Pozzobon. Consegui os apoios e constitui uma equipa para esta formação. A partir dai não parei. Na altura não sabia que não se tratava só de aprender o recurso. Lidei com uma luta enorme na mudança de mentalidades, na divulgação do tema, nos entraves culturais e financeiros e cheguei até pensar em desistir. E desisti, por 6 meses. Até que todos os emails que tinha enviado começaram a ter resposta e comecei a ver que havia algum interesse nas partes em começar a trabalhar a acessibilidade para pessoas com deficiência visual. Ao mesmo tempo conheci a Acesso Cultura e juntos temos caminhado e comemorada muitas vitórias.
Mas , resumindo, tudo começou por num dia me coloquei no lugar de pessoas com deficiência visual. Bem vistas as coisas foi simples: foi só observar, pensar, procurar uma solução e aplicá-la à nossa realidade específica.
Aa - - Qual a importância de uma audio descrição numa peça de teatro?
AR – Sendo a áudio-descrição uma tradução intersemiótica, ela traduz as imagens por palavras. Cada vez mais as manifestações artísticas estão baseadas em aspectos visuais para deslumbrar o público. Estes aspectos visuais são apresentados de diversas formas e com artifícios cada vez mais inovadores. Sem a áudio-descrição as pessoas com deficiência visual assistem a um espectáculo pela metade. Ficam a falhar as informações que o espectáculo passa somente através de luz, marcações, objectos ou até projecção de vídeos , por exemplo.
A áudio-descrição quer, apenas, colmatar este facto e permitir que as pessoas com deficiência visual possam “ver” tudo aquilo que o restante publico sem deficiência visual vê para que possam também criar as suas próprias opiniões acerca do espectáculo.
- Aa – Quais os aspectos que deve ter um áudio-descritor?
AR – Do meu ponto de vista um bom áudio-descritor deve estar equipado com um bom vocabulário para que possa ser um bom produtor de guião e um bom executante do guião. Não basta escrever um bom guião. Ele tem de ser bem dito e sempre com o ritmo em que o espectáculo estiver a ter. Há que ter sensibilidade artística e um bom aparelho vocal para conseguir “entrar” no espectáculo e “falar ao ouvido” do utilizador do recurso sem perturbar a atenção ao espectáculo.
Para além disso, tem de ter uma boa capacidade de improvisação de áudio-descrição. Principalmente no que diz respeito a espectáculos de teatro, manifestações artísticas essas que variam muito consoante os actores e a sua performance diária diferenciada.
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Aa – O que é proporcionado a um deficiente visual para que a áudio descrição seja mais atraente para o invisual?
AR – Eu acredito que a áudio-descrição mais atraente é aquela que não emite nenhum tipo de opinião acerca da manifestação artística e que, de uma forma simbiótica para com ela, se mescla na informação passada no todo ao espectador.
A meu ver, um guião simples e ainda assim fiel e uma voz suave e que acompanhe o ritmo do espectáculo são o segredo para uma áudio-descrição atraente para o publico alvo do recurso.
- Aa – Como estamos neste aspecto em Portugal?
AR – Neste momento, depois de um longo processo de fazer ver aos programadores que existia um publico “à parte” Portugal já tem algumas ofertas culturais com o recurso de áudio-descrição disponível. Desde há 2 anos para esta parte temos feito entre 2 a 4 espectáculos de teatro, dança ou musica e cerca de 4 museus por ano.
Este foi o primeiro ano em que iniciei Janeiro com uma lista de 3 a 5 espectáculos já com data marcada para a áudio-descrição em Teatros Nacionais e Municipais. Existe já um compromisso por parte de alguns programadores em oferecer uma cultura mais acessível.
No que diz respeito ao publico alvo do recurso muito ainda há a fazer. Sempre que fazemos áudio-descrição temos publico, mas sabemos que poderemos ter muito mais. Mas chegar às pessoas é o mais difícil e, então, leva-las ao teatro é bom . Mas não quero pensar que é uma questão só do publico com deficiência visual, porque sei que é uma questão cultural entre Portugal e o Teatro, a Dança e os Museus.
De qualquer das formas tenho receio que um dia, por falta de publico, os programadores desistas do recurso e de implementar a acessibilidade. Porque sabemos perfeitamente que, por falta de publico ou por falta de interesse, tudo isto pode acontecer.
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